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O ónus da prova nos casos ambientais ao abrigo da legislação brasileira

By Filipe Carvalho, Senior Associate

Autor: Filipe Carvalho, Associado

É uma regra da lei brasileira que geralmente quem quer que alegue tem de provar a alegação. Nos termos do artigo 373º do Código de Processo Civil Brasileiro[1], o ónus da prova cabe ao requerente, para provar os factos constitutivos do seu caso (item I) e sobre o requerido, para provar factos que prejudiquem, modifiquem ou extingam o direito do requerente (item II).

Portanto, cada vez que a parte apresenta um processo, deve indicar[2] e reunir[3] na sua declaração de reclamação toda a documentação que prove as suas alegações.

Contudo, há situações em que esta regra do ónus da prova não pode ser aplicada, citando como exemplo, em que um requerente não tem a prova para cumprir este dever ou porque é mais fácil obter a prova do facto contrário.

Neste sentido, o Código de Processo Brasileiro[4] autoriza o juiz a atribuir o ónus da prova de forma diferente, desde que o faça por decisão fundamentada, e o juiz deve também dar à parte a oportunidade de exonerar o ónus que lhe foi atribuído.

Vale a pena mencionar que o Código de Processo Civil Brasileiro (Lei Federal n.º 13,105/2015) também confere às partes o direito de definir, antes ou durante o processo, a distribuição do ónus da prova[5]. Esta regra não se aplica, contudo, se tiver impacto nos direitos inalienáveis de uma parte (um que não pode ser dado ou retirado) ou quando torna excessivamente difícil para uma parte exercer esse direito.

Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), um órgão colectivo do Poder Judiciário brasileiro, editou a Súmula n. 618 que tem a seguinte redacção: “A inversão do ónus da prova aplica-se ao processo de degradação ambiental”.

A inversão do ónus da prova em matéria ambiental pode ser justificada pela aplicação do princípio da precaução, no princípio 15 da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (UNCED 1992), que estabelece que “A fim de proteger o ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando existe uma ameaça de danos graves ou irreversíveis, a falta de certeza científica total não deve ser utilizada como motivo para adiar medidas eficazes e rentáveis para prevenir a degradação ambiental[6].”

Em palavras simples, se houver qualquer suspeita de que uma actividade possa causar danos ambientais, o ambiente deve ter o benefício da dúvida.

Não surpreendentemente, o STJ, ao pronunciar-se sobre um caso ambiental[7], estabeleceu o entendimento de que “o princípio da precaução (…) pressupõe a inversão do ónus da prova, transferindo para o concessionário o ónus da prova de que a sua conduta não deu origem a riscos para o ambiente (…)”.

De facto, o mesmo entendimento foi novamente avançado pelo STJ[8]. Ver: “o princípio da precaução pressupõe a inversão do ónus da prova, e cabe àqueles que alegadamente causaram o dano ambiental provar que não o causaram ou que a substância libertada para o ambiente não é potencialmente nociva”.

Conclui-se, portanto, que a existência destas regras, apoiadas por uma sólida jurisprudência, está centrada em evitar que as actividades das grandes empresas poluidoras fiquem impunes, trazendo à parte (muitas vezes desprivilegiada) uma paridade efectiva de armas e um meio equilibrado de fundamentar as reivindicações, quer por si mesmas, quer recorrendo à inversão do ónus da prova.

References

[1] Art. 373. The burden of proof is assigned to:
I – the plaintiff, as to the fact constituting his or her right;
II – the defendant, as to the existence of a fact that impedes, modifies or extinguishes the plaintiff’s right.
[2] Art. 319. The complaint shall inform:
VI – the evidence with which the plaintiff intends to prove the truth of the alleged facts;
[3] Art. 320. The complaint shall produce the documents that are indispensable for the filing of the action.
[4] Art. 373, §1º: In the cases provided for by law, or in view of the peculiarities of the action relative to the impossibility or excessive difficulty of performing the duty pursuant to the head provision, or even the greater ease of obtaining evidence to the contrary, the judge may assign the burden of proof differently, provided this is done in a reasoned decision, in which case the party must be given the opportunity to carry out the assigned charge.
[5] Art. 373, § 3º: A different assignment of the burden of proof may also occur by agreement of the parties, unless:
I – it impacts on an inalienable right of the party;
II – it renders the exercise of the right by one of the parties excessively difficult.
Art. 373, § 4º: 4 The agreement referred to in § 3 may be executed before or during the proceedings.
[6] It is worth noting that the precautionary principle has its origins in the “World Charter for Nature”, of 1982, whose principle n. 11, “b”, established the need for States to control activities potentially harmful to the environment, even if their effects were not fully known.
[7] STJ, AgInt in the Interlocutory Appeal in Special Appeal n. 1311669 – SC, Judge Rapporteur Ricardo Villas Bôas Cueva, judged on 03 December 2018.
[8] STJ, REsp 1.060.753/SP, Judge Rapporteur Eliana Calmon, judged on 01 December 2009.

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